terça-feira, 29 de junho de 2010

Tire-o da cabeça


Por: Martha Medeiros

Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?

Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já!

Parece que funcionou. Você sai na rua para testar. Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma única lágrima. Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese. Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você.

Táticas. Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos. Descole uma festa e produza-se para matar. Você bem que tenta, mas nada sai como o planejado. Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago. Você se sente uma retardada na pista de dança. Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria. Chamem o EccoSalva.

Livros. Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo tem semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia.

Viajar. Quem vai na bagagem? Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente.

Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura não sai

VOCÊ É...


Por: Martha Medeiros

Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra.

Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora.

Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda.

Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima.

Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia.

Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um novo Ciclo

Por: Irisbel Correia

E o grande dia chegou. Mais um ciclo se fecha. Uma nova fase inicia, mas difícil, não sei, o certo é que estou pronta, apesar dos anseios, das dúvidas. Uma mistura de emoções. Ainda lembro do primeiro dia, a sensação de vitória. Quatro anos se passaram, muitas coisas vividas. Agradeço todos que passaram pela minha vida e me apoiaram nessa caminhada, amigos, família e principalmente minha mãe, pai e minha irmã Sandra, que sem ela esse sonho não seria realizado. A minha mãe companheira, incentivadora. E ao meu pai, que mesmo ter partido antes de ver a minha conquista, sei que, onde estiver, está do meu lado, é dele que adquiri essa paixão pelo jornalismo, essa ancia de escrever, essa vontade louca de querer transformar e mudar o mundo. E qual a minha surpresa? Foi o jornalismo que mudou minha vida. Agora sim, mais preparada e pronta para esse novo ciclo que inicia.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O que passou não volta

Por: Fernando Pessoa

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu....
Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco.
O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...
Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal".
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará!
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.

Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és..
E lembra-te:
Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão

terça-feira, 22 de junho de 2010

A PÁTRIA DE CHUTEIRAS DE PASOLINI


Por: Marcelo Xavier


Muita gente não sabe, mas o polêmico Pier Paolo Pasolini era um apaixonado pelo futebol. E o caderno “Mais!” da Folha de São Paulo do dia 6 de março reproduziu um artigo do cineasta, publicado meses após a acachapante derrota de 4 X 1 da Itália contra o Brasil de Pelé, Clodoaldo, Brito, Carlos Alberto e Rivelino. Ele propõe subsídios para uma poética do futebol, e utiliza a final da Copa de 1970 para fazer uma ácida crítica à sua terra natal. No artigo, ele parte do conceito elementar de linguagem para estabelecer uma tese onde ele parte das noções do código da língua para elaborar uma poética do futebol, o Ludopédio . Ele divide o futebol em duas grandes partes, a prosa e a poesia. Naturalmente, considera prova da poética do futebol os lances de invenção e os gols. No geral, poderia ser apenas mais uma “tese furada”, tão cara aos amantes da bola. Mas a idéia vai longe...

Ludo em latim significa “jogo” e “pédio”, vem do grego “podós”, pés. Logo, "Ludopédio" é uma invencionice que quer dizer “jogar com os pés”. Anacrônica, essa expressão seria uma espécie de definição etimológica mais ancestral para o foot-ball inglês, que os brasileiros neologizaram para o jogo de bola.

Pasolini entende que, como na linguagem, o futebol é um sistema de signos, mas uma linguagem não-verbal com a mesma mecânica da original, lógica, normativa. Segundo o cineasta, o esporte possui todas as características fundamentais da linguagem por excelência, aquela que imediatamente tomamos como termo de comparação, isto é, a linguagem escrita-falada.

O fundamento do futebol tem a sua raiz lógica: ele nasce de uma gramática que é comum a todos. Tanto fundamentos como marcação, passe, chute, lançamento quanto determinados esquemas táticos exprimem o futebol elementar, contingente a toda e qualquer escrete. Ou seja, é o código, que obedece e é tributário da língua instrumental. Daí ele criou a expressão Podema (de pódos , pés). Como uma palavra é formada de uma rescolta de fonemas, um lance também é corolário de uma junção de diversas combinações de “podemas”. “O conjunto das ‘palavras futebolísticas'”, de acordo com o italiano, “constitui um discurso, regulado por normas sintáticas precisas”. Já a sintaxe se exprime na “partida” que, para Pier Paolo, é um verdadeiro “discurso dramático”. Assim, como qualquer língua, o futebol tem o seu momento puramente instrumental , rígido e regulado pelo código.

Por outro lado, ele tem o seu momento “expressivo”.

A despeito da retórica rígida que é franqueada pelas regras do código, a linguagem da bola, como na língua falada-escrita, tem as suas respectivas funções de linguagem. Além da objetividade imposta pela gramática dos fundamentos, o Ludopédio possui o seu lado subjetivo, expressivo. Desta forma, alguns atletas se destacam por serem grandes prosadores; outros são cingidos pelo fulgor do gênio. Como dizia Nelson Rodrigues, só o jogador medíocre faz futebol de primeira. Os inventores da bola (usando o conceito de Erza Pound para exemplificar os “antenas da raça”) transcendem a lógica, transcendem a previsibilidade do código lingüístico das quatro linhas. Para ele, o atleta “prosador” é cerebral, tem domínio da bola, visão de jogo e passe próximo da perfeição. Pegando o exemplo dado por Pasolini (Bulgarelli) para identificar o “prosador”, poderíamos dizer (apenas para ilustrar) que Paulo César Carpegianni foi esse “prosador realista”. Mas na mesma acepção, o meio-campista do Internacional seria o “elzevir”, o prosador poético, o elegante rapsodo. Mas talvez Falcão fosse mais poeta do que Carpegianni: ele poderia, de vez em quando, interromper a prosa e inventar, de repente, dois versos fulgurantes.

”A retranca e a triangulação é futebol de prosa”, diz o diretor. “Baseia-se na sintaxe, isto é, no jogo coletivo e organizado, na execução racional do código”. Para ele, o seu único momento poético é o contrapé seguido do gol (que, como vimos, é necessariamente poético). “Em suma, o momento poético do futebol parece ser (como sempre) o momento individualista (drible e gol; ou passe inspirado)”, explica.

Na sua tese, o futebol de prosa é sistêmico, normativo. O gol é confiado aos poetas. Para ele, a bola na rede é pura poesia, seria o fecho de ouro do soneto. No entanto, ela deriva de uma organização de jogo coletivo, fundado por uma série de passagens “geométricas”, executadas segundo as regras do código.

Ele faz uma distinção meio jocosa em diferenciar prosa literária de prosa jornalística. Ele não deixa de alfinetar a imprensa ao diferenciar a riqueza e o dinamismo da língua popular, com os seus subcódigos (os níveis de linguagem, como o jargão, o alto calão, a gíria, ou latinismos, arcaísmos, palavras truncadas). Em contraposição, ele explica que, para ele, o jornalismo não é senão um ramo menor da língua literária: para compreendê-lo, valemo-nos de uma espécie de sub-subcódigo.

“Em palavras pobres, os jornalistas são simplesmente escritores que, a fim de vulgarizar e simplificar conceitos e representações, se valem de um código literário, digamos para ficarmos no campo esportivo, de segunda divisão”, defende.

O autor de Teorema pega o cronista esportivo Gianni Brera para exemplificar como de “segunda classe” – se comparada à linguagem de literatos como Carlo Emilio Gadda e Gianfranco Contini. Mas contorna, ironizando: “e a língua de Brera é, talvez, o caso mais bem qualificado do jornalismo esportivo italiano”. Na verdade, o objetivo do cineasta aqui é dizer que o poder da cultura de massa, representada pela grande imprensa de sua época, era um simulacro da cultura popular, de acordo com ele, de pretensões “soberbas” (fica patente a sua posição na “querelle”). A analogia consiste em transplantar a linguagem do poder ( estetizante , na acepção dele, “conservadora”, “provinciana”...), ou seja, sistêmica, anacrônica se comparada à realista, sincrônica, espontânea e de raiz popular.

Partindo da meditação acerca da cultura e história italianas, Pasolini diz que esse modelo preexiste no futebol da Seleção da Itália, como ele pôde observar, durante a Copa do México: anti-realista, anti-burlesca, elitista e anti-poética. E, para ele, poético é o momento do gol. Fato curioso, porque aqui, Pasolini concede um valor quantitativo, e não qualitativo, o que seria a quintessência da poesia. O futebol estetizante é o futebol europeu, como diria Nelson Rodrigues, o anti-futebol, como o europeu representa, como diria o autor de “Asfalto Selvagem”, numa expressão bem sua, o anti-Brasil .

Por isso mesmo, Pasolini distingue o futebol latino do europeu (o italiano, que caiu de quatro diante do Brasil) como provocação. O coletivismo cifrado europeu contra a melopéia brasileira. Como escreveu Nelson Rodrigues, “quem marcou o gol da Itália não foram os italianos, foi uma brincadeira de Clodoaldo (...) ao passo que os gols brasileiros foram obras de arte, irretocáveis, eternas”. O cineasta, por sua vez, observa: “se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia”. E se a Seleção Brasileira foi a “Pátria de Chuteiras”, a Itália, por seu torno, também a foi, com os seus defeitos e simulacros filosóficos e culturais estetizantes. A tese de Pasolini é, de certa forma, na ótica particular do diretor, um irônico necrológio da Itália do seu tempo.